domingo, setembro 16

Entrevista VF #1 - Jair Naves: "esse disco tem pelo menos cinco ou seis faixas que são das que eu mais gosto entre tudo que já escrevi"


É sábado à noite no bairro da Consolação. 
Em meio ao burburinho de pré-adolescentes do Vitrine, prostitutas do Las Jegas  e hipsters do Beco 203, é comum encontrar um rosto ou outro conhecido na noite da Rua Augusta. 

É lá o local que tenho uma longa conversa com Jair Naves, também conhecido como o showman e compositor mais impressionante do cenário musical brasileiro nos últimos anos - opinião não só minha, mas de qualquer pessoa que tenha visto pelo menos uma apresentação do músico mineiro nos últimos dois anos, quando lançou 'Araguari', o EP que dava início a uma carreira solo surpreendente. 

Longe das guitarras distorcidas e dos gritos de rebeldia do Ludovic, Jair Naves se reinventou como compositor e criou um conjunto de quatro canções memoráveis, quase todas com menções à fatos verídicos - e também autobiográficos - de sua terra natal. Se músicas como "Silenciosa" revelavam um talento para a composição de histórias universais e de fácil apelo sentimental, outras como "Araguari II (Meus Dias de Vândalo)" demonstravam que a intensidade e a tendência lírica muitas vezes pessimista do Ludovic só haviam sido somados para compor algo presente apenas, até hoje, na música de Jair Naves. Um ano depois, o single "Um Passo Por Vez" demonstrava que a melancolia era um dos pontos fortes do seu repertório, apesar de nessa entrevista ele mesmo definir o seu primeiro LP como um disco essencialmente otimista.

E é sobre o "E Você Se Sente Numa Cela Escura, Planejando A Sua Fuga, Cavando O Chão Com As Próprias Unhas" que eu e Jair conversamos por algum tempo, apesar outros assuntos resvalarem. Confira a íntegra da entrevista abaixo:

Como foi que você pensou nesse título?
É de uma música que acabou não entrando no disco. A gente gravou doze e duas não foram aproveitadas, porque o disco ficou muito longo: são dez músicas em 52 minutos, é muita coisa.

Você colocou “Carmem...”, que nunca tinha entrado...
É, precisava né? Essa e “Vida com V Maiúsculo...” são músicas que eu gosto e vejo que as pessoas gostam, mas não tinham registro ainda. Então, essas duas acabaram saindo, mas uma delas tinha esse trecho que eu sempre gostei muito e dá uma ideia boa de tudo que eu trato no disco.

“Vida com V Maiúsculo...” é outra que gosto. Você mudou alguma coisa nela?
Essa foi a primeira música que eu fiz da carreira solo, mas era um arranjo muito difícil e demorou muito tempo. Não combinava muito com o conceito do ‘Araguari’, também.

Ficou satisfeito com o resultado final do disco?
Estou bem satisfeito. Eu acho que é um disco muito bem resolvido. Não me lembro de ter gravado um disco com músicos tão bons antes. E foi uma proposta de fazer ao vivo porque hoje em dia – eu não sei se você percebe isso – eu vejo um perfeccionismo que é ilusório, sabe? As pessoas ficam passando mil efeitos como AutoTune, Melodyne, etc...e não conseguem reproduzir ao vivo. Nós quisemos fazer uma coisa que não tivesse nada disso. Eu gosto das músicas, acho que é uma continuidade. E o melhor disco é sempre o que está pra vir, né. Estou curioso pra saber o que as pessoas vão achar, pois é um pouco diferente do que já fiz antes. Sempre acaba sendo.

O disco foi gravado, mixado e masterizado pelo Fernando Sanches no Estúdio El Rocha, em São Paulo, durante o mês de julho de 2012. A contribuição do Fernando para o disco foi decisiva, nunca teríamos alcançado esse resultado de forma tão rápida e tranquila se não fosse por ele. A produção ficou por minha conta, com ajuda especial do Renato Ribeiro e do Thiago Babalu, que moldaram as músicas comigo em longos meses de pré-produção. O Renato gravou guitarra, violão e vibrafone no disco; já o Thiago, bateria. Além deles, também participaram das gravações Adriano Parussulo e Alexandre Molinari (que se revezaram no baixo), Alexandre Xavier (piano) e Cimara Fróis (sanfona).


Deu pra incluir tudo ou ficou faltando algo? Você disse que teve algumas músicas que acabaram ficando de fora.
Nós tínhamos 15 músicas na pré-produção, saíram três por estarem meio incompletas. Aí gravamos essas doze no estúdio (El Rocha) e saíram duas. Foi ótimo isso, porque o cara que gravou a gente disse que as bandas sempre acabam gravando alguma coisa pra encher linguiça.

No ‘Araguari’ você criou um conceito. E nesse, teve isso também?
Na verdade não. [As letras] acabam tendo um laço com muitas músicas por elas terem sido escritas no mesmo período. Mas não é algo conceitual, eu não quis fazer isso. Queria que fosse uma compilação de músicas feitas até agora. A coisa conceitual do Araguari já se bastou, acho que fazer isso de novo seria meio repetitivo. Não quero entrar nessa enseada de artista de disco conceitual. Talvez mais pra frente eu tente outra coisa nessa linha, mas agora não é a hora.

Em Araguari, você destacava "Silenciosa" como sua faixa preferida. Em "Cela Escura...", "Pronto Pra Morrer" assume esse papel ou existe outra?
Difícil dizer, esse disco tem pelo menos cinco ou seis faixas que são das que eu mais gosto entre tudo que já escrevi. O que mais me deixa satisfeito em uma nova música que faço é quando sinto que nela avancei alguns passos enquanto compositor. 

"Você sempre terá alguém a seus pés", do Ludovic, foi escrita quando eu tinha 18 anos e lembro de ter sido a primeira que me deu confiança o suficiente para que eu a mostrasse pra outras pessoas - tanto é que acabou sendo a faixa de abertura do nosso disco de estreia. Desse disco, "Vane, Vane, Vane" e "Boas sementes, bons frutos" também me davam a impressão de estar no rumo certo. No álbum seguinte da banda, "Idioma Morto", lembro de ter tido essa mesma impressão com "Unha e Carne" e "Qorpo-Santo de Saias", especialmente. O "Araguari" me satisfazia por completo, ali eu notava que tinha conseguido me tornar um escritor melhor, mais versátil, mas em "Araguari II (Meus Dias de Vândalo)" e "Silenciosa" é que eu conseguia notar um progresso maior - a primeira tinha uma estrutura muito complexa, são quase quatro ou cinco músicas numa só; a segunda parecia conseguir dialogar com todos os tipos de ouvinte, o que nunca havia acontecido com uma canção minha. Isso também pode ser dito de "Um passo por vez", que nasceu de uma tentativa consciente de fazer algo que fosse o mais direto possível.

Já nesse disco, existem músicas que possuem todas essas características levadas a um patamar que eu acho que ainda não havia alcançado. "Pronto Para Morrer" foi toda construída em torno da letra, são os versos que ditam o tamanho de cada uma das estrofes - é realmente um negócio de histórias sendo contadas, algo que eu nunca havia arriscado fazer. "Maria Lúcia, Santa Cecília e eu" é a música mais festiva e leve que eu já compus - o que se deve quase que exclusivamente ao Alexandre Xavier, coautor da canção, responsável pela ideia inicial. "No fim da ladeira, entre vielas tortuosas" inaugura uma abordagem um pouco mais bem humorada para os sentimentos, e também tem uma sonoridade sem precedentes na minha discografia, com a coisa toda da sanfona, dos silêncios, de um refrão super marcado. "A meu ver" foi um dos maiores desafios em estúdio da minha vida: só eu cantando e o Renato tocando o violão de cordas de nylon durante quase toda a música, sem metrônomo, o que gerou uma espontaneidade dificílima de ser alcançada.

E tem também "Eu sonho acordado", que eu acredito ser a gravação mais inspirada de que eu já participei até hoje. Todos os músicos envolvidos estavam no auge da sua criatividade durante a criação e execução do arranjo: a bateria do Babalu tem detalhes inacreditáveis, como o bumbo estourado do fim; a linha de baixo do Molinari beira o hipnótico; o piano do Alê no fim foi improvisado e nem dá pra acreditar, de tão condizente com o restante da música. E as guitarras do Renato, então, dispensam comentários. Ouçam e vocês vão entender do que eu tô falando.



Pode-se dizer que "Pronto Pra Morrer" é um encontro de sonoridade entre o som do Ludovic e o de Araguari que você buscou ou isso veio de forma natural?
Putz, não sei, nunca tinha analisado dessa forma. O que eu posso dizer  é que veio de forma natural - se tem a ver com o Ludovic ou não, prefiro deixar para outras pessoas decidirem, porque eu tô muito imerso nisso tudo pra poder analisar com o devido distanciamento.

O curioso dessa música é que ela foi escrita dois dias antes de começarmos a gravar o disco. Eu iria fazer um show sozinho, só voz e violão, na Hotel Tees, uma loja de camisetas na região da Augusta. Como eu queria tentar algo diferente, nessa linha de trovador, contador de histórias ou coisa que o valha, fiz a música numa manhã de sábado, para apresentá-la algumas horas mais tarde no show. Como antes da apresentação eu tinha um ensaio com a banda toda, o último antes do início das gravações, resolvi mostrar a música para eles. Tocamos algumas vezes juntos e acabamos fechando o arranjo. Caso não tivéssemos chegado num acordo, provavelmente eu a gravaria sozinho para o disco. Ainda bem que conseguimos criar essa moldura a tempo, fiquei muito orgulhoso do resultado final.

Mudou alguma coisa do Jair que lançava o primeiro EP em 2010, após ter saído do Ludovic, para o Jair Naves já mais consolidado como artista solo?
Me sinto mais confiante como artista solo. No começo eu ficava com medo de parecer uma “viagem de ego”, quando na verdade só foi um jeito de assumir e dar até uma liberdade maior pras pessoas que estavam comigo, sabe? Livres de responsabilidades criativas e até, paradoxalmente, uma coisa mais cômoda. Existe uma ideia um pouco romantizada sobre o conceito de uma banda, como a conexão espiritual de quatro pessoas ou algo do tipo. Quando nem sempre é assim, muitas vezes uma só pessoa comanda o barco e os outros só desempenham suas funções musicais mesmo.

Eu me sinto um músico melhor do que naquela época, me sinto um intérprete melhor. Me sinto até mais confortável com meu passado. No começo eu queria...não era renegar mas, como eu me sentia na obrigação de fazer algo diferente para que continuasse interessante, eu meio que neguei tudo que eu tinha feito anteriormente. Agora, que eu já me sinto mais estabelecido e mais aceito, não me incomoda tentar uma coisa ou outra que possa remeter ao passado.

Você falou dessa ideia romantizada de ser “a união de quatro pessoas...”. Eu vejo que o Quarto Negro (banda do ex-guitarrista do Ludovic, Eduardo Praça), por exemplo, é muito diferente da sua carreira solo. Era isso que acontecia? Acabou chegando o momento que você queria fazer uma coisa e o pessoal queria fazer outra?
Também! Na verdade, o Ludovic foi um projeto idealizado por mim, que contou com inúmeras diferentes formações e que eu conduzi por muito tempo. Então era natural que quase sempre tivesse uma coisa mais minha mesmo, já que as outras pessoas todas tinham outras bandas, compunham suas próprias músicas e tudo mais.
Mas de fato é diferente [a sonoridade de cada um]. O Edu tem uma característica muito própria, o Zeek [Ezekiel Underwood, ex-guitarrista do Ludovic] também, mesmo o Hugo [Falcão] que tocava bateria também tem o seu jeito. É até bom que soe diferente. Tem algumas músicas que fizemos em conjunto, mas o Ludovicempre foi uma coisa voltada pra mim.

Você acha que “Pronto Pra Morrer” é uma música que sintetiza o sentimento do disco, por você ter escolhido ela como o primeiro single? Eu lembro que você falou pra mim que compôs ela naquele dia do show no hotel (Tee’s, em junho).
Sim! Foi aquele dia, cara. Na verdade, fiz o riff na sexta-feira à noite e teve um ensaio com banda no sábado antes do show, sendo que a gente ia gravar na segunda. Aí eu falei pros caras: “olha, tem uma música nova pra gente gravar”. E eles: “porra, você já não tem problemas suficientes?” [risos]. Mas, por ter sido a última letra a ser feita, eu acho que sintetiza sim. É uma letra bem extensa, bem longa mesmo e sem nenhuma parte que se repete. Fala de muitas coisas diferentes e dá o lugar sobre tudo que é tratado nas outras nove faixas. Eu gosto muito dela, de verdade.
É uma música bem diferente de “Um Passo Por Vez” e “Silenciosa”, que foram as músicas que tiveram clipes antes. Eu não queria que esse clipe fosse de novo de uma balada com voz e violão. É sempre essa coisa de querer surpreender, que eu acho que é saudável.

Sempre reparei que suas gravações de estúdio eram feitas de uma forma mais contida do que ao vivo. Você faz isso de propósito pra surpreender no palco?
Bom, é um ambiente muito diferente, né? O estúdio é uma coisa que exige uma perfeição muito grande, então você se permite arriscar menos. Mas, em alguns casos, é porque eu não chegava com a música pronta, ia terminando ela à medida que fosse gravando. Então, não estava com a segurança pra dar uma interpretação mais... emocional.

Eu acho que a diferença se deve muito mais por serem coisas opostas, mesmo. Nesse disco tentamos fazer uma coisa mais “semi” ao vivo. Então se nota uma proximidade maior com o show, porque eu sempre ouvi muito isso de “o show é muito melhor que o disco”. Eu tentei diminuir isso, não sei se consegui completamente.

A gente pode esperar alguma mudança ao vivo com esse LP, então?
Esse disco tem quatro músicas com seis minutos, cara. Pode ser que mude, mas a gente ainda não apresentou elas pra saber. Acho que vai acabar mudando uma coisa ou outra, pois em estúdio usamos vibrafone, sanfona, piano...

Maria Lúcia é o nome da sua mãe mesmo? É uma homenagem a ela (a canção "Maria Lúcia, Santa Cecília e Eu")?
Sim, esse é o nome da minha mãe. A música fala sobre alguns assuntos diferentes, mas tem boa parte que é sobre ela e sobre o quanto ela é importante para mim. Sempre quis falar sobre a minha mãe em alguma das músicas e, quando eu estava escrevendo esse disco, me ocorreu o pensamento de que eu deveria fazer isso logo, para que a homenagem não visse a se tornar póstuma. É uma das músicas de que eu mais gosto.

Todas as canções são baseadas, direta ou indiretamente, em fatos verídicos?
Sem dúvidas. Algumas das histórias funcionam mais como metáforas ou exemplos para determinados estados de espírito, não são necessariamente episódios que ocorreram de fato, mas todas as músicas são sobre a minha vida.

Mesmo após uma década de carreira, você ainda se inspira em alguém ou virou um “soldado sem pátria”? Vi você falando muito de Patti Smith durante a gravação do disco.
Eu sempre cresci ouvindo punk rock, mas eu tinha uma visão de aquilo era uma coisa muito necessariamente máscula, agressiva e confrontadora. O que é legal, porque espelhamos muito isso no Ludovic, que era uma banda muito confrontadora. Tinha aquele lance de artista e público ser uma coisa só, mas a gente se alimentava muito da tensão com o público.

A Patti Smith colocou uma coisa literária que eu gosto bastante e é uma intérprete das melhores. Mas esse disco, pra algumas músicas, eu quis seguir muito uma coisa que o Bob Dylan tinha de não repetir, não voltar e falar de temas diferentes em uma música só. Ele é provavelmente meu compositor preferido de todos os tempos. É um cara que eu me inspiro bastante de um jeito não óbvio.

Eu sempre digo que sou mais fã de música do que músico. Eu vejo as pessoas que admiro e se acho que tem uma coisa que funciona bem no que eu faço, eu tento fazer.

Essa forma lírica que você escreve eu vejo pouca gente escrevendo. Eu vejo muito versinho, muito refrão...não tem muitos que façam ainda uma coisa mais profunda no cenário nacional, de antemão eu me lembro do Helio Flanders (Vanguart) e só.

No processo de composição, a letra é muito desvalorizada mesmo. As pessoas se preocupam muito com os arranjos, perfeição nas execuções e tudo mais, mas o conteúdo dos versos quase sempre acabam ficando em segundo plano mesmo.

Por exemplo, dentro do rap tem o Emicida e o Criolo hoje em dia. Não sei se você você algo especial neles.
Eu não conheço o trabalho deles muito a fundo. Eu vi um show do Emicida e ele parece um bom entertainer, tem a coisa do improviso e parece muito carismático.

O formato de letra de música é um formato de texto que acho bem interessante. Mas sempre vem a música. Tem canções que só durante a mixagem eu consigo terminar a letra. Eu me preocupo muito, muito mesmo [com letras]. É sempre a última coisa. Tenho uma autocrítica muito ferrenha.

Você é muito perfeccionista?
[Pausa] Não é bem isso, eu sou muito crítico comigo mesmo. Eu quero sempre que esse disco seja o melhor disco, o disco definitivo, blá blá blá. Dizer que eu sou perfeccionista dá a impressão de que eu alcanço a perfeição, né? [risos] Não é bem assim. Mas é difícil, cara. Esse disco foi bem difícil de escrever as letras pois eu estava nessa cobrança.

Você já disse que tentou muito não ser autobiográfico em ‘Araguari’. Nesse trabalho, você tentou fugir disso?
Nesse caso do Araguari, eu falei disso porque eu sei que a tendência pra mim é sempre ser muito pessoal. Eu só consigo escrever assim, então tento maquiar e disfarçar. A minha preocupação é falar de um jeito que as pessoas possam entender, não ser tão prolixo. Eu tenho essa coisa de encarar a letra de música como texto e não é exatamente, né? Tento usar palavras cotidianas, mas nesse disco tem algumas bem difíceis também.

Uma coisa que eu admiro no rap é a naturalidade da fala, porque tudo parece tirado de diálogo. Isso é o que mais gosto, a parte de confrontamento político e temática eu acho legal mas isso [naturalidade], como composição me interessa muito. É algo que espero alcançar algum dia. 

As músicas são muito diferentes entre si, então quero que o tratamento das letras também não falem da mesma coisa da mesma maneira. E isso é algo que admiro demais no Bob Dylan. Haviam músicas engraçadíssimas e outras de partir o coração num mesmo disco dele. Essa versatilidade é interessante pra que não torne o disco entediante.

Então o “...Cela Escura...” é um disco pra rir e pra chorar?
[Risos] Eu nunca serei um Tim Maia, né? Aquele cara bonachão e tal. Um dia a gente estava gravando e um dos músicos ficou muito emocionado e eu pensei: “caralho, eu tô fazendo uma coisa super triste de novo, é foda”. Eu não faço com essa intenção e mesmo o nome do disco as pessoas têm uma visão mórbida, tipo de clipe de “The Unforgiven”, mas não é isso. 

É uma coisa de inconformismo, até de otimismo de certa forma. Por pior que seja a situação, acreditar que você pode mudar pra melhor. Acho que é o disco mais otimista que já fiz – dado o meu passado, algo que não é grande coisa – mas, pra mim, já foi uma mudança de ares.

Você anda mais otimista, então?
Eu acho que sim! É uma coisa que o amadurecimento traz, você que nem tudo é o fim do mundo. Você sempre vai ter algum problema e sempre vai enfrentar algum imprevisto. Mas você continua vivo e fazendo as coisas que gosta.

Você considera, talvez daqui a alguns anos, voltar com o Ludovic, mesmo que seja por apenas poucos shows?
Essas coisas de poucos shows já pensamos em fazer, datas comemorativas. Mas é difícil. Voltar em definitivo eu não vejo acontecendo. Mesmo shows para comemorar dez ou quinze anos do disco, eu acho improvável. Pode acontecer, mas eu não aconselharia ninguém a esperar por isso.

Eu tenho muita precaução ao tocar nesse assunto, porque depois que a banda acabou eu vi o quanto foi algo realmente importante pra algumas pessoas. Teve gente que nunca viu e tem um lance de identificação que é bem estranho perceber, cara. Inventam histórias a respeito e eu fico até com medo de desmentir, sabe?



Eu sempre vejo pessoas comentando e listas na internet que sempre associam o Ludovic entre as melhores bandas da década passada...apesar de não ter o sucesso comercial e de público de um Los Hermanos, como você vê isso?
Eu estava falando disso hoje mesmo. Eu paro pra pensar as bandas que eu gosto e nenhuma delas teve êxito comercial, né? O Velvet Underground na sua época era uma piada, um fracasso completo. O Black Flag também só se fodia e as bandas nacionais, bom, o Vzyadoq Moe nunca teve reconhecimento e o Mundo Livre S.A., que nunca foi uma banda de massa. Então, eu já comecei errado ao estabelecer os modelos a serem seguidos, né?

Mas eu fico sinceramente emocionado, cara. Fez valer a pena tudo que a gente viveu e, talvez se tivéssemos sido reconhecidos na época, teríamos levado de uma forma mais profissional. Mas aí também não seria Ludovic do jeito que foi. Eu não vejo acontecendo tão cedo [a reunião], prefiro preparar as pessoas pra realidade. Dificilmente as bandas voltam bem, sabe? Porra, banda que voltou bem e que eu consigo me lembrar é o Dinosaur Jr. Teve o Mission of Burma também... quem mais? Eu só consigo pensar neles, quem mais que voltou bem? Stooges não, fez um disco horroroso na volta. Não dá pra reproduzir o discurso da mesma forma.

Existem alguns artistas no cenário atual nacional que você destacaria como inspiração para o seu trabalho, ou somente como contemporâneos com o qual você se identifica? 
Claro. Há uma série de artistas extremamente inspiradores por aí, de quem você pode tirar grandes lições, que são exemplares em uma série de aspectos. Eu admiro muito, por exemplo, a fé que o Macaco Bong tem no que faz, como eles se dedicam de corpo e alma ao ofício, como eles chegaram longe apostando em algo completamente fora do convencional; é muito instigante também ver o espírito indomável do La Carne, o amor à música acima de qualquer outra possível motivação, a maneira como a banda se alimenta do melhor de cada um dos seus integrantes. Aliás, esse senso de coletividade, da música como somatória de talentos individuais, uma química que parece só existir entre aquelas pessoas também fez com que eu virasse fã do Subburbia, de Curitiba - terra do Charme Chulo, outra das minhas bandas do coração. Não tem como não se inspirar também na postura do Test, de tocar em tudo que é lugar e montar palcos improvisados na frente de grandes shows. Ou com o discurso de uma banda como o Violator, que vai contra toda a cultura de idolatria e prega a igualdade entre platéia e artista, resgatando o princípio punk que parecia ter se perdido com o tempo. E mesmo o exemplo do pessoal do Concept, há tanto tempo na estrada, criando lugares e ocasiões para as bandas desconhecidas da região deles tocarem... felizmente, não falta gente boa por aí.

Cena independente.
Longe do ideal. Pode ser que um dia chegue perto de algo profissional e te dê o sustento sem você ser dependente de SESC e do meio digital. Eu, sinceramente, não sei se vou viver pra ver isso. O lado bom é que as pessoas estão nisso é por amor à causa.

Futuro.
Os melhores discos, shows e músicas o futuro me reserva ainda.

Carreira solo.
Eu demorei muito a me adaptar, até por minha criação musical ter sido no punk rock. Isso é outra coisa que a Patti Smith me impressionou por ter sido uma das poucas artistas solo, pelo menos da geração clássica do punk rock no CBGB’s. Eram só bandas: Ramones, Dead Boys, Blondie, Television...muito dificilmente eu vou montar outra banda. Porque agora eu posso fazer o que eu quero.

Música.
Continua sendo a coisa mais apaixonante da minha vida. Quando eu conheço o disco de alguém que eu realmente gosto, é uma paixão. É uma das poucas coisas que eu preservei da minha adolescência. É uma coisa mágica, mesmo. É a forma de arte mais eficaz e mais instantânea. Eu tenho uma gratidão enorme por ter conseguido algum reconhecimento e ver que outras pessoas se identificam com o que eu faço. É uma das poucas coisas que me dão forças pra encarar todo o resto.